Desde que a tecnologia computacional saiu das enormes salas de centros de pesquisa para o uso pessoal em casa, há a necessidade de transformar o complicado código binário em algo que os usuários comuns consigam entender facilmente para realizar as suas tarefas.
Aos poucos, a sequência numérica deu espaço aos comandos de texto, e depois à interface gráfica. Daí surgiu o Windows, Linux, MacOS. Todos os sistemas operacionais possuem suas peculiaridades. Em comum, eles estabelecem a interação homem-máquina com foco na visão, o aparelho sensorial de maior impacto. Com o auxílio visual de ícones e novas camadas de interfaces gráficas, a realização de tarefas é “transportada” do mundo real para o digital pela associação direta e intuitiva.
Quem já não ouviu aquela história: “Esse negócio de computador é muito complicado… Nem chego perto desse troço”. Mas basta o desbloqueio mental e as primeiras associações para dominar a tecnologia, cujo funcionamento se replica para os celulares, por exemplo. As interações touch-screen e o aperfeiçoamento das interfaces são tão intuitivos, que não precisam de manuais de instrução. Parte dos comandos está associada, seja gráfica ou textualmente, a experiências já passadas pelo usuário. Caminhamos para o “ligar e usar”.
Mas, além da função de mediação homem-máquina, os sistemas possibilitam uma espécie de demarcação de território, a impressão do “eu digital” na personalização da própria interface. Na linguagem da área, um “perfil de usuário”.
Cada ser humano possui identidade própria, baseada no background cultural, social, conhecimentos adquiridos por experiências empíricas. Diferentes interesses, pontos de vista, ideologias políticas, somadas às necessidades em ser parte integrante de uma sociedade, de um grupo, ao mesmo tempo em que quer ser reconhecido individualmente.
Daí o reconhecimento de ambientes computacionais por papéis de parede, cores e fontes, ordenação de atalhos, links favoritos. Podem existir dois computadores, dois celulares semelhantes. Mas a personalização deles dará a ele a sensação do seu espaço virtual, na qual ele se sentirá a vontade em um novo patamar estabelecido entre homem e máquina. Não só como instrumento para tarefas, mas também para entretenimento e bem-estar, ao mesmo tempo em que serve como um espelho virtual.
No Orkut, não é difícil achar tópicos em comunidades em que usuários compartilham imagens de seus desktops. Os fanáticos por videogames terão um wallpaper do “God of War”. Uma adolescente fã de uma banda terá a foto do vocalista. Um casal de namorados terá uma foto juntos no celular.
Um dos sucessos do iPhone, smartphone desenvolvido pela Apple, está na customização. Além da parte visual e da campainha, o consumidor pode fazer download de novos softwares pela Internet, no iTunes, e inserir no aparelho, modificando inclusive a ordem de disposição dos ícones dos aplicativos. O usuário, então, passa a personalizar a informação adquirida pelas interfaces.
Na Internet, esse conceito de perfil está usualmente relacionado a sites de entretenimento colaborativo, como o YouTube, e redes sociais, como Orkut e Facebook. Entretanto, já existem experiências em sites jornalísticos, como o da TV britânica BBC.

Disponível desde 2007 (versão Beta), a página inicial do site da BBC quebra parte do conceito de “o que é notícia”, ao deixar que o internauta decida quais assuntos são relevantes pela escolha e posicionamento de módulos de notícias.
Essa customização se deu com o avanço das tecnologias relacionadas à Internet, como a banda larga e novas linguagens de programação web. Com isso, podemos observar uma quebra no conceito jornalístico de relevância no processo de diagramação de uma página de Internet, que segue os mesmos princípios da primeira página de jornal. O poder do que é importante e de garantia de visitação é transferido do jornalista para o usuário, que moldará a home de acordo com seus interesses e anseios.
Se o interesse por futebol for maior do que os últimos acontecimentos políticos, o módulo de esportes aparece no topo. Se não for sua prioridade, ele posiciona mais próximo do rodapé. E, se não gostar, simplesmente a deixa de fora. O site da MSNBC também é personalizável, de uma forma mais modesta. Inclui neste campo somente a previsão do tempo, indicadores econômicos, horóscopo e resultados de competições esportivas.
No Brasil, infelizmente, os grandes veículos de comunicação ainda não despertaram para esse novo conceito. E isso não tem necessariamente relação com visitantes únicos, pageviews, tempo de visitação, e sim com a fidelidade do usuário, a incorporação do veículo em sua cultura cotidiana, assim como os sistemas operacionais são extensões do pensamento individual no mundo digital.
A partir disso, podemos concluir então que as novas tecnologias de interação homem-computador tendem a potencializar o acesso e a facilidade do uso destes aparelhos como suporte para a realização de tarefas cotidianas, ao mesmo tempo em que se construirá uma extensão da personalidade do seu usuário. Isso se dará tanto do ponto de vista do hardware como ferramenta do cotidiano, como uma identidade emocional e digital na sociedade pós-moderna.
Texto originalmente escrito para a disciplina “Interfaces digitais nas Organizações e na Mídia”, durante o curso de pós-graduação lato-sensu na Faculdade Cásper Líbero.
Referências Bibliográficas
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DÓRIA, Tiago. Giro de 180º na BBC. Tiago Dória Weblog, 28 fev. 2008.
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PELLANDA, Eduardo Campos. Mobilidade e personalização como agentes centrais no acesso individual das mídias digitais. Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, 2007.
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