A Internet ofereceu inúmeras possibilidades para o jornalismo, como a criação de novos veículos e a velocidade da informação. Não só revolucionou o mercado de comunicação e tecnologia, mas também o próprio exercício da profissão.
Muito se fala da revolução negativa, da clássica questão sobre o fim do jornalismo impresso, e a recente polêmica do jornalismo colaborativo contra o jornalismo profissional. São tópicos importantes, sem dúvida, mas não são os únicos. É o reflexo de uma fase de transição, na qual muitas das perguntas sobre meios tradicionais e digitais ainda não possuem respostas precisas.
Os aspectos positivos, entretanto, são pouco abordados. O jornalismo online, agora também multimídia, permitem novos campos de atuação e também a aplicação de novas técnicas. Invariavelmente, tudo isso passa por transformação interna das empresas de comunicação, em todos os níveis, da direção ao profissional.
Jornalistas são geralmente desconfiados em relação aos novos métodos de exercer o jornalismo. […] Algumas décadas atrás, repórteres se sentiam inseguros em relação ao uso de citações num artigo ou quando recebiam a informação por telefone, uma máquina nova na época. Nos anos 90, os repórteres sentiam a mesma desconfiança em relação ao uso de e-mail. Hoje, apesar dos avanços nos sites de notícias, ainda permanece um sentimento de indiferença em relação às novas mídias por parte de muitos jornalistas “tradicionais”. Também há um velado desejo de retorno aos velhos tempos, apesar de o cenário atual mostrar uma mídia fragmentada, necessitando de um esforço urgente para conquistar audiência. (RIGGS, 2007, p. 43)
Apesar dos jovens jornalistas, mesmo que ainda ingressando na universidade, estarem mais preparados a esta realidade por serem da Geração Y ou Z, são freados na graduação. Seja pela falta de informação, seja pelo saudosismo de alguns professores do período áureo do jornalismo impresso. Várias universidades bloqueiam o acesso às redes sociais e vetam plugins, alegando inadequados ao ambiente acadêmico.
Uma das formas de lidar com as novas tecnologias é utilizá-las a seu favor na produção de uma pauta ou na apuração de uma reportagem. A isso se dá o nome de Reportagem com Auxílio de Computador (RAC), que é promovido no Brasil pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Dentre as técnicas estão o uso de banco de dados, pesquisas avançadas e uso de redes sociais.
Um jornalista com o conhecimento dessas técnicas pode fazer diversas consultas em um ou mais bancos de dados e cruzar os resultados para a apuração de uma reportagem. Isso é muito útil, por exemplo, na fiscalização de gastos públicos. O cruzamento desses dados pode se dar a partir de uma linha de apuração, com a lógica centrada no jornalista, ou através de páginas que extraem os dados através de API, processam os fragmentos para retornar a operação solicitada.
Obviamente, nesse caso também envolve a transparência do poder público no acesso a esses dados, apesar de existirem iniciativas independentes, como o projeto Excelências, da ONG Transparência Brasil, e vias alternativas como buscas no arquivo de vários veículos nacionais e regionais.
As técnicas de RAC podem ser usadas fora do contexto da esfera pública. O site da FIFA e do Comitê Olímpico Internacional, por exemplo, possuem bancos de dados robustos envolvendo personalidades esportivas, eventos realizados pela entidade e resultados.
Os bancos de dados servem também para serviços, como o americano EveryBlock e o brasileiro Citix. Ambos são ambientes de trocas de informações sobre cidades, como locais de interesse, fotos, relatos de crimes, e as últimas notícias relacionadas à área visualizada. Pode não ser jornalismo convencional, mas pode ser útil para replicar reportagens, produzir novas e é útil para a comunidade. Adrian Holovaty, jornalista que projetou o EveryBlock, responde a pergunta “Dados são jornalismo?” em duas partes: “Quem se importa? Espero que meus concorrentes percam o tempo deles discutindo sobre isso o quanto tempo for possível”.
As redes sociais também são de grande utilidade para os jornalistas. Pelo Twitter, por exemplo, é possível fazer um monitoramento dos tópicos mais abordados pelos internautas. Alguns deles podem render reportagens diferenciadas e atrativas. E mais: se publicadas na Internet a tempo, têm chances de ser retuitadas, atraindo novos visitantes e possibilitando a formação de público fiel.
Nas redes sociais é possível também encontrar personagens e se aprofundar em nichos. Um documentarista que tenha um projeto sobre bulimia pode acompanhar meses um grupo de pessoas em uma comunidade do Orkut coletando informações sobre o comportamento delas.
Além das técnicas RAC, a Internet também pode ser uma grande utilidade para o aperfeiçoamento profissional do jornalista. Existem veículos de comunicação que possuem universidades corporativas. Há também o News University, do Instituto Poynter e da Fundação Knight, com treinamentos à distância – muitos deles gratuitos.
Embora o computador e a Internet tragam velocidade e facilidade na pesquisa e checagem da informação, é apenas um complemento. O jornalista necessita traduzir e contextualizar números e dados em informações claras para a comunidade que vai consumir a reportagem, além de entrevistar, realizar novas apurações e ouvir possíveis outros lados da história. Necessita também do domínio dos conceitos das ferramentas digitais para relacionar-se com a sociedade e para o próprio aperfeiçoamento profissional. O que realmente importa não é a tecnologia, e sim como as utilizamos.
Texto originalmente escrito para a disciplina “Interfaces digitais nas Organizações e na Mídia”, durante o curso de pós-graduação lato-sensu na Faculdade Cásper Líbero.
Referências Bibliográficas
BRIGGS, Mark. Jornalismo 2.0: como sobreviver e prosperar. The Knight Center for Journalism in the Americas at the University of Texas at Austin, 2007.
HOLOVATY, Adrian. The definitive, two-part answer to “is data journalism?”. Adrian Holovaty, 21 mai. 2009.
TOLEDO, José Roberto. Toledol, o blog sobre RAC.
Apresentação de Marcos Foglia no 3º MediaOn – Seminário Internacional de Jornalismo Online.
Curso de RAC: Reportagem com Auxílio do Computador ou como transformar o computador no melhor amigo do jornalista. Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.